Ameaça espiritual serve para configurar crime de extorsão
Em decisão unânime, a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) considerou que a ameaça de emprego de forças espirituais para
constranger alguém a entregar dinheiro é apta a caracterizar o crime de extorsão,
ainda que não tenha havido violência física ou outro tipo de ameaça.
Com esse entendimento, seguindo o voto do relator, ministro
Rogerio Schietti Cruz, a turma negou provimento ao recurso de uma mulher
condenada por extorsão e estelionato.
O caso aconteceu em São Paulo. De acordo com o processo, a
vítima contratou os serviços da acusada para realizar trabalhos espirituais de
cura. A ré teria induzido a vítima a erro e, por meio de atos de curandeirismo,
obtido vantagens financeiras de mais de R$ 15 mil.
Tempos depois, quando a vítima passou a se recusar a dar
mais dinheiro, a mulher teria começado a ameaçá-la. De acordo com a denúncia,
ela pediu R$ 32 mil para desfazer “alguma coisa enterrada no cemitério” contra
seus filhos.
Extorsão
A ré foi condenada a seis anos e 24 dias de reclusão, em
regime semiaberto. No STJ, a defesa pediu sua absolvição ou a desclassificação
das condutas para o crime de curandeirismo, ou ainda a redução da pena e a
mudança do regime prisional.
Segundo a defesa, não houve qualquer tipo de grave ameaça ou
uso de violência que pudesse caracterizar o crime de extorsão. Tudo não teria
passado de algo fantasioso, sem implicar mal grave “apto a intimidar o homem
médio”.
Para o ministro Rogerio Schietti, no entanto, os fatos
narrados no acórdão são suficientes para configurar o crime do artigo 158 do Código Penal.
“A ameaça de mal espiritual, em razão da garantia de
liberdade religiosa, não pode ser considerada inidônea ou inacreditável. Para a
vítima e boa parte do povo brasileiro, existe a crença na existência de forças
sobrenaturais, manifestada em doutrinas e rituais próprios, não havendo falar
que são fantasiosas e que nenhuma força possuem para constranger o homem médio.
Os meios empregados foram idôneos, tanto que ensejaram a intimidação da vítima,
a consumação e o exaurimento da extorsão”, disse o ministro.
Curandeirismo
Em relação à desclassificação das condutas para o crime de
curandeirismo, previsto no artigo 284 do Código Penal,o ministro destacou o
entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo de que a intenção da acusada
era, na verdade, enganar a vítima e não curá-la de alguma doença.
“No curandeirismo, o agente acredita que, com suas fórmulas,
poderá resolver problema de saúde da vítima, finalidade não evidenciada na
hipótese, em que ficou comprovado, no decorrer da instrução, o objetivo da
recorrente de obter vantagem ilícita, de lesar o patrimônio da vítima, ganância
não interrompida nem sequer mediante requerimento expresso de interrupção das
atividades”, explicou Schietti.
Pena mantida
O redimensionamento da pena também foi negado pelo relator.
Schietti entendeu acertada a decisão do tribunal paulista de considerar na
dosimetria da pena a exploração da fragilidade da vítima e os prejuízos
psicológicos causados.
Foi determinada, ainda, a execução imediata da pena, por aplicação
do entendimento do Supremo Tribunal Federal de que seu cumprimento pode se dar
logo após a condenação em órgão colegiado na segunda instância.
Fonte: STJ
Postado por Fabio Sagot
Advogado Bahia Salvador Pituba